Artigo opinativo

O Brasil subiu cinco posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano [IDH] das Nações Unidas, saltando da 89ª para a 84ª colocação entre 193 países. A notícia, divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], indica que o país atingiu um IDH de 0,786 — o maior da série histórica — impulsionado pelo aumento da renda per capita e pela recuperação da expectativa de vida após os anos mais críticos da pandemia de Covid-19.

Por outro lado, no mesmo Brasil que sobe no ranking do desenvolvimento humano, 8,4 milhões de pessoas ainda passam fome. O dado é da FAO, braço da ONU para alimentação, que mantém o país no infame Mapa da Fome desde 2021, de onde ele havia saído em 2014. E a pergunta se impõe: como um país que avança em desenvolvimento humano mantém quase 4% da sua população sem acesso à comida?
Essa contradição não é um erro estatístico. É o retrato de um Brasil profundamente desigual, onde o progresso se dá em média — e a média, como sabemos, pode esconder extremos.
O que o IDH não revela
O Índice de Desenvolvimento Humano é um indicador relevante, mas limitado. Ele mede três pilares: expectativa de vida, escolaridade e renda nacional bruta per capita. Ou seja, considera médias nacionais, sem refletir a distribuição desses ganhos entre ricos e pobres, entre centros urbanos e periferias, entre o Sul e o Norte do país.
Na prática, o IDH pode subir mesmo com aumento da fome, desde que a economia cresça, que as estatísticas de saúde melhorem e que mais pessoas passem a frequentar a escola. O problema é que essas melhorias não chegam a todos — e é aí que mora o abismo entre o “Brasil oficial” e o “Brasil real”.
O paradoxo da fome em um país que produz
O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do planeta. Em 2024, mais uma vez, bateu recordes na produção de grãos e consolidou sua liderança global em soja, milho, carne, açúcar e café. Ainda assim, há brasileiros que vão dormir sem saber se terão o que comer no dia seguinte.
Não falta comida no país. Falta acesso. Falta renda. Falta política pública eficaz de combate à pobreza. A fome no Brasil não é causada por escassez de alimentos, mas pela desigualdade brutal que impede milhões de pessoas de comprá-los.
A produção agropecuária está cada vez mais voltada à exportação, muitas vezes subsidiada, enquanto o mercado interno, especialmente nas periferias urbanas e em áreas remotas, sofre com os altos preços, a ausência de alimentos saudáveis e o surgimento dos chamados “desertos alimentares” — regiões onde o acesso a comida fresca e nutritiva é escasso ou inexistente.
Além disso, o desemprego caiu, sim, mas a renda dos mais pobres não acompanhou a inflação dos alimentos, o que torna o prato de feijão e arroz um item cada vez mais caro para milhões de famílias.
A fome como sintoma da desigualdade
A presença da fome em um país com alto IDH mostra que desenvolvimento e justiça social não caminham juntos automaticamente. Subir no ranking global não significa garantir direitos básicos à população — muito menos aos mais vulneráveis.
Essa contradição precisa ser enfrentada com políticas públicas robustas de transferência de renda, segurança alimentar, subsídios à produção interna de alimentos, valorização do salário mínimo e ampliação do acesso a alimentos saudáveis.
Enquanto o Brasil for capaz de crescer sem distribuir, de produzir sem alimentar, de prosperar sem incluir, continuará sendo o país do paradoxo: desenvolvido nas estatísticas, injusto na realidade.