Proliferação de pombos no DF dispara com venda de jantinhas e almoços em estacionamentos e acende alerta para doenças graves

O que parece um problema urbano comum está se tornando uma séria ameaça à saúde pública no Distrito Federal. A crescente venda de almoços e “jantinhas” — refeições prontas, servidas em embalagens de isopor e comercializadas em estacionamentos de diversas cidades — está alimentando, literalmente, a explosão da população de pombos nas áreas urbanas, segundo levantamento das autoridades sanitárias.

E o perigo vai muito além do incômodo visual ou sujeira nas calçadas: a poeira das fezes dessas aves pode carregar doenças potencialmente incapacitantes, como a criptococose.

Os pombos encontram nos restos de comida e no descarte inadequado dos resíduos alimentares um banquete diário, capaz de sustentar bandos inteiros. E é justamente essa fonte de alimento persistente que os mantém por perto, tornando sua erradicação uma missão quase impossível sem medidas firmes de controle sanitário, educação da população e fiscalização da venda de alimentos em espaços públicos.

Existe uma doença fúngica chamada criptococose, que tem uma intimidade com as fezes do pombo, e ele também tem piolhos. Já teve hospital aqui em Brasília que teve piolho desses animais no box cirúrgico”, denuncia o chefe e criador da Unidade de Pneumologia do HRAN, que pediu reforço no controle sanitário dos pombos nos hospitais e demais áreas públicas. Segundo ele, “infelizmente, há muitos desses animais em hospitais do DF que têm lanchonetes e ambulantes em frente ao pronto-socorro. O pombo vive onde nasce, e essa infestação começou com uma ideia muito ruim de um presidente do Brasil, Jânio Quadros, que construiu um pombal em Brasília e os trouxe para cá”.

Para o pneumologista, é hora de repensar o status desses animais na legislação brasileira: “O pombo é o rato de asas. A lei deveria ser revista. O controle sanitário para os pombos é extremamente importante e difícil de fazer por causa da proteção legal. Já pensou se existisse uma lei que proibisse matar rato?”, conclui.

O empresário José Wilson de Souza, 56 anos, e, o cinegrafista Mauro Sérgio Gil Senhorães, 43 anos, morreram em julho de 2019, em decorrência da criptococose, conhecida como “Doença do Pombo” em Santos, no litoral de São Paulo.

O alerta também é reforçado por quem atua diariamente nas ruas do DF. “Nós fazemos orientação de que o pombo é uma praga. O contato com a poeira ou as fezes dele pode atacar o sistema nervoso. Mas não temos poder de atuação e autonomia para resolução”, explica Wagner Luiz de Araújo Rosa, agente de vigilância ambiental. Segundo ele, ao constatar a presença de pombos em mercados, padarias ou qualquer outro estabelecimento, os agentes orientam o imediato desalojamento dos animais. “Precisamos de uma lei que nos dê poder de autuação e notificação — tanto para pombos, quanto para ratos e situações relacionadas à dengue”, cobra.

Doença grave e invisível

O caso de Hiltamar Araújo dos Santos, servidor da Secretaria de Saúde do DF, [vídeo abaixo], é o retrato mais duro dos perigos invisíveis que rondam a população. Aos 49 anos, ele está há mais de seis meses em tratamento após ter sido contaminado — sem saber — por criptococose. A infecção o deixou com incapacidade nos membros inferiores.

Me pergunto todos os dias como que isso foi acontecer comigo, visto nunca ter tido contato ou frequentado lugares de circulação desses bichos. Deixo um grande alerta para cuidado com esses bichos que me deixaram em cadeira de rodas”, lamenta Hiltamar.

A criptococose é uma infecção causada por fungos presentes nas fezes secas dos pombos. Quando essas fezes secam e se tornam poeira, a simples inalação pode levar o agente infeccioso diretamente aos pulmões e, em casos mais graves, ao sistema nervoso central. O quadro pode evoluir para meningite fúngica, com sequelas neurológicas graves, como:

  • Déficits cognitivos (memória, atenção, raciocínio);

  • Fraqueza muscular e dificuldade para andar;

  • Convulsões e dores de cabeça persistentes;

  • Hidrocefalia, que exige cirurgia;

  • Alterações visuais, auditivas e emocionais;

  • Fadiga crônica.

O tipo e a gravidade das sequelas variam, mas muitos pacientes necessitam de fisioterapia, terapia ocupacional, neuropsicologia e fonoaudiologia por meses ou anos. O que torna tudo ainda mais preocupante é que a infecção pode ocorrer mesmo sem contato direto com os pombos, bastando estar próximo a locais frequentados por essas aves.

O que a população pode fazer

A solução depende do envolvimento de todos. Veja como você pode ajudar:

  • Não alimente pombos, mesmo sem querer, com restos de comida em locais públicos;

  • Evite comprar alimentos em locais improvisados ou próximos a áreas infestadas;

  • Não descarte lixo fora dos recipientes adequados;

  • Solicite a fiscalização de locais com alta presença dessas aves;

  • Use máscara e evite varrer locais com fezes secas de pombos sem proteção.

Pombos são animais silvestres e protegidos por lei, mas sua superpopulação nas cidades está diretamente relacionada à ação humana. É preciso equilíbrio entre a preservação ambiental e a saúde coletiva.

O Distrito Federal precisa enfrentar de frente esse problema — com leis claras, fiscalização efetiva e conscientização da população. A próxima vítima pode ser qualquer um.