Gizella Rodrigues, da Agência Brasília I Edição: Carolina Jardon

O GDF mantém, na Estação 112 Sul do Metrô, a Central de Interpretação de Libras (CIL), que disponibiliza intérpretes para auxiliar a comunicação entre surdos e ouvintes | Foto: Acácio Pinheiro / Agência Brasília

Benedito Carlos Melo da Cunha, 45 anos, se envolveu em uma confusão financeira. Morador de Ceilândia Sul, pagou o valor mínimo do cartão de crédito em novembro e viu a dívida triplicar em dois meses. Ele recebeu uma correspondência do banco em casa e, sem entender exatamente do que se tratava, procurou atendimento na agência onde tem conta, na 410/411 Sul.

Mas não conseguiu se entender com a atendente e deixou o problema para ser resolvido depois. A dificuldade? Benedito é surdo e se comunica através da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

O problema de comunicação de Benedito foi resolvido graças ao Governo do Distrito Federal (GDF). Ele voltou ao banco acompanhado por um intérprete de Libras da Secretaria Extraordinária da Pessoa com Deficiência (SEPD) e renegociou a dívida. “Eu queria saber o valor da próxima prestação e quanto ainda faltava para ser pago”, conta. “Eu tentei escrever um bilhete para a atendente, ela fez uma carta enorme para mim e eu não entendi.”

O GDF mantém, na Estação 112 Sul do Metrô, a Central de Interpretação de Libras (CIL), que disponibiliza intérpretes para auxiliar a comunicação entre surdos e ouvintes. Eles auxiliam os surdos em comunicações por telefone, vídeo-chamadas ou redes sociais e, mediante agendamento, os acompanham em atendimentos externos, principalmente em órgãos do governo, como em delegacias ou nas agências de atendimento do Banco de Brasília (BRB), do Detran, da CEB e da Caesb.

Mais estrutura

Em maio do ano passado, a CIL foi transferida da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) para a SEPD, o que aumentou a força de trabalho e atendimento da central. Em julho, a central ganhou um carro exclusivo para transportar os surdos e os intérpretes, o que aumentou em mais de 1.000% a quantidade de atendimentos externos | Foto: Acácio Pinheiro / Agência Brasília

A CIL existe desde 2010 e registrou um atendimento recorde em 2020. De janeiro a dezembro, a central realizou mais de sete mil atendimentos, 815 deles externos, onde os intérpretes se deslocaram junto com o surdo e intermediaram a comunicação dele com terceiros (Confira a arte).

Em maio do ano passado, a CIL foi transferida da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) para a SEPD, o que aumentou a força de trabalho e atendimento da central. Em julho, a central ganhou um carro exclusivo para transportar os surdos e os intérpretes, o que aumentou em mais de 1.000% a quantidade de atendimentos externos realizados em dezembro (262) em relação a janeiro (17).

Mais funcionários também foram contratados e o número de intérpretes passou de três para oito. “A nova gestão veio com novas estratégias de atendimento. Antes, dependíamos da agenda do carro da Sejus que fazia vários outros serviços. Não havia um carro específico”, afirma o gerente da Central de Interpretação em Libras, Alexandre Castro, ressaltando a importância da iniciativa do governador Ibaneis Rocha de criar uma pasta para cuidar especificamente da pauta dos deficientes, uma demanda de anos. “É a terceira secretaria no país”, acrescenta.

CIL on-line

A Secretaria da Pessoa com Deficiência quer ampliar os atendimentos da CIL e espera o Ministério da Justiça aprovar um projeto para implementar a CIL on-line. A ideia é ter uma equipe de intérpretes à disposição das pessoas surdas que, através de um link, poderão acessar o serviço em qualquer lugar do DF. Um intérprete vai ser acionado na hora que for acionado para interpretar os sinais e permitir a comunicação entre o surdo e o ouvinte.

Segundo a SEPD, o projeto já foi aceito na primeira etapa. Se for aprovado, o Ministério da Justiça vai investir R$ 1 milhão na CIL on-line, uma proposta inovadora, que já acontece em outras capitais do país.

Outra língua

Foi a terceira vez que Benedito usou os serviços da CIL. Um intérprete o acompanhou em sua audiência de divórcio e a uma clínica onde ele e a nova esposa, também surda, fizeram exames porque estão tentando engravidar. “Tenho muita dificuldade de me comunicar. Ninguém na minha família é fluente em libras e não domino a técnica de leitura labial. Até me viro no dia a dia, para ir ao supermercado por exemplo. Mas a pessoa tem que falar muito devagar”, diz.

Segundo o gerente da CIL, há pesquisas que mostram que mais de 80% dos surdos não entendem bem a língua portuguesa. Apesar de conhecer as palavras mais usuais, os surdos têm dificuldade de compreender a contextualização das frases, mesmo que elas sejam escritas. “O português tem uma estrutura totalmente diferente da língua brasileira de sinais e não é de domínio dos surdos”, explica.

Libras é uma língua autônoma, com estrutura gramatical própria, não é só um conjunto de sinais para as palavras em português. Por isso, durante a tradução para a língua de sinais, ocorre a omissão de verbos de ligação ou pronomes relativos ou oblíquos, alguns pronomes de tratamento, locuções adverbiais e adjetivas.

Projeções do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para aproximadamente 678 mil pessoas com deficiência no DF em 2020. Desse total, 14,4%, ou seja 97.702, são pessoas com algum tipo de deficiência auditiva, sendo que 25 mil delas se comunicam por meio da linguagem de sinais.

Acessibilidade

“Esse serviço dá mais autonomia e independência para a comunidade surda, faz com que o surdo seja entendido sem precisar de um familiar ou uma terceira pessoa, o que é uma forma de acessibilidade”, afirma Alexandre Castro, gerente da CIL.

“Não estamos fazendo mais do que cumprir a lei”, ressalta Valdimar Carvalho da Silva, surdo, diretor de Acessibilidade Comunicacional da CIL, referindo-se ao Estatuto da Pessoa com Deficiência sancionado pelo governador Ibaneis Rocha em julho do ano passado. A lei garante o direito ao tratamento diferenciado que deve ser prestado à pessoa com deficiência, no caso de surdos ou pessoas com deficiência auditiva, por intérpretes ou pessoas capacitadas em Libras

Também na Estação do Metrô da 112 Sul, funciona o posto do BRB Mobilidade que atende exclusivamente pessoas com deficiência que possuem o passe livre especial no transporte público.

Não se trata de uma agência bancária, mas, no local, os deficientes, físicos ou auditivos, podem fazer o cadastro para receber o benefício e recebem um atendimento diferenciado, com acessibilidade física e atendentes que compreendem a linguagem de sinais. Atualmente, 43.628 pessoas com deficiência possuem a gratuidade no transporte público.