O lutador de MMA Jorginho Filho desenvolve projeto social para crianças em favela do Rio de Janeiro
O lutador de MMA Jorginho Filho desenvolve projeto social para crianças em favela do Rio de Janeiro

Sentado num pneu enorme de caminhão, sob a chuva forte que bate no teto de zinco do galpão que construiu para dar aulas gratuitas a crianças da favela em que nasceu, Jorginho Filho, 32 anos, se lembra da infância nas ruelas em Acari, no subúrbio do Rio de Janeiro.

“Eu achava que o mundo inteiro era a comunidade. Não tinha ideia do que existia lá fora. Achava que não precisava sair daqui, e toda criança de favela acha a mesma coisa, acha que não vai sair. Isso tem nome, cara. É falta de perspectiva. É falta de oportunidade.”

Os olhos mareados contrastam os músculos inchados e tensos, o rosto cheio de hematomas e o cabelo cortado em estilo moicano. Jorginho sorri ao notar quanto a vida mudou: “Agora eu vou para Las Vegas”.

“Quer dizer, não sei se vou. Não tem gari com dinheiro pra ir pra Las Vegas.”

O gari, que treina artes marciais há 24 anos, havia recebido há poucos dias a notícia de que era um dos cinco finalistas na categoria mais disputada do World MMA Awards, principal prêmio do MMA (sigla em inglês para Mixed Martial Arts, artes marciais mistas, como é conhecida a luta livre tipo vale-tudo) no mundo.

“É o Oscar do MMA. Uma coisa superimportante’, conta o atleta, que concorre ao prêmio de nocaute mais bonito de 2015, ao lado dos principais nomes da luta no planeta.

Sem qualquer patrocínio, só com o dinheiro que recebe pelo trabalho varrendo e limpando ruas da cidade, ele diz ter “obrigação” de compartilhar com os vizinhos o que chama de “privilégio”.

Ao lado de seu primeiro pupilo – Leandro Nunes Freitas, hoje lutador profissional com passagens por torneios na Europa e na seleção brasileira militar de taekowndo -, construiu um Centro de Treinamento no coração da favela.

Ali dá aulas de lutas para mais de 300 crianças, totalmente de graça. Quem as financia são os alunos adultos, que pagam mensalidade de R$ 40.

“Meu objetivo com esse CT é dar às crianças da comunidade as oportunidades que eu não tive”, diz Jorginho. Ele é interrompido por dezenas de pequenos aspirantes a atletas que chegam, barulhentos, para a aula de defesa pessoal daquela noite.

MMA“Lutar, só aqui dentro, nunca lá fora”, diz à reportagem um dos meninos, com as pontas dos cabelos enrolados pintadas de loiro. “Briga é briga, né? Aqui gente luta, é diferente.”

‘Nunca vi meu pai na rua’

Durante toda a infância, enquanto o pai biológico estava preso por envolvimento com tráfico de drogas, o lutador trabalhava como entregador de pão para ajudar a mãe a cuidar dos dois irmãos.

À BBC Brasil, Jorginho explica por que nunca passou fome. “A gente acordava cedo e ia com minha mãe para o Ceasa (mercado popular que abastece principalmente o comércio e restaurantes do Rio) para pegar a xepa. ‘Xepávamos’ o dia inteiro”, diz. “Guardávamos o alimento numa sacolinha e levávamos para casa.”

“Minha alimentação foi legume, fruta, verdura e peixe que nos davam. A isso eu devo a minha saúde.”

Seu trabalho como gari, ele conta, revela sem maquiagem as enormes diferenças sociais do Rio. “Em Botafogo, se tem um rato morto na rua, mil pessoas ligam pedindo para tirar. Aqui, se tem um cachorro morto ninguém tira. Não tem gari recolhendo o lixo.”

Há dois anos, Jorginho foi aprovado no concurso da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) em terceiro lugar – eram 40 mil inscritos. “Fiz concurso para garantir plano de saúde para a família. Agora tenho esse cartãozinho de alimentação. A comida de todo mundo é garantida com ele.”

O cenário de sua infância, ele conta, pouco mudou em três décadas.

“Desde pequeno é a mesma coisa. Quando chove, enche tudo. As pessoas já deixam os cavaletes prontos – começou a chover, sobe geladeira, fogão, sofá, porque sabem que a água vai entrar.”

“Precisa ter Estado aqui, cara. Precisa ter investimento. Na comunidade não tem nada, nenhum projeto, nenhuma atividade. Ou isso muda, ou esse povo todo não vai conseguir sair daqui.”

MMA

A carreira no MMA veio depois do taekwondo, esporte que conheceu ainda criança, pelas mãos de um professor que considera como seu “verdadeiro pai”.

“Ele me tirava da rua e me levava para treinar. Me ensinou tudo o que eu sei. Respeito muito meu pai biológico, mas meu pai é ele. O amo.”

Com cinco vitórias e uma derrota na carreira profissional no MMA, Jorginho hoje disputa o Jungle Fight, maior torneio da categoria nas Américas.

A premiação do World MMA Awards acontece no próximo dia 5 de fevereiro. Jorginho conseguiu fazer um passaporte emergencial, está correndo atrás do visto para os Estados Unidos, mas ainda não conseguiu o principal.

“Falta a passagem, que é o mais importante. Talvez eu tenha que assistir o prêmio de casa. Queria muito ir, mas não tem problema se não for também”, diz.