Popstar encerra apresentação em Copacabana com cruz ensanguentada no figurino e exalta orixá do arco-íris, símbolo de dualidade e renovação
O maior show da carreira de Lady Gaga, realizado neste sábado (03) em Copacabana, não foi apenas uma celebração da música e da cultura pop. Sob os olhos de uma multidão e com a orla do Rio de Janeiro como palco sagrado, a artista norte-americana transformou sua apresentação em um ritual performático marcado por profundas referências espirituais. Em um dos momentos mais impactantes da noite, Gaga surgiu com um figurino branco estampada com uma cruz de Cristo em sangue vivo — figurino escolhido, segundo fontes próximas à produção, em reverência à entidade afro-brasileira Oxumaré, orixá com quem a artista mantém afinidade espiritual.
Oxumaré é uma das divindades mais enigmáticas do panteão iorubá, cultuado em tradições como o Candomblé e a Umbanda. Representado pelo arco-íris, é considerado o orixá da continuidade, do movimento e da renovação. Sua principal característica é a dualidade: Oxumaré transita entre o masculino e o feminino, incorporando os dois polos da existência de forma alternada e harmoniosa — uma simbologia que dialoga fortemente com a trajetória de Lady Gaga como ícone queer e defensora da liberdade de identidade.
O arco-íris, símbolo universal de Oxumaré, esteve presente tanto no cenário quanto nas coreografias e acessórios dos fãs. Durante a execução do hino LGBTQ+ Born This Way, milhares de pessoas ergueram leques coloridos, cortando o ar com estalos sincronizados, num gesto coletivo que evocava a energia vibrante e cíclica do orixá.
A conexão espiritual da cantora com entidades de matriz africana já é conhecida por admiradores atentos. Gaga tem se aproximado de elementos das religiões afro-americanas nos Estados Unidos e, mais recentemente, de tradições afro-brasileiras. Sua escolha por Oxumaré — entidade que une céu e terra, espírito e matéria — parece dialogar diretamente com sua proposta artística de fusão entre arte, fé e identidade.
Antes de subir ao palco, a cantora abriu a noite com a leitura do Manifesto of Mayhem, declaração performática que define a fase atual de sua carreira. Em seguida, surgiu em cena dentro de uma gaiola, para cantar “Abracadabra”, numa metáfora de libertação que remete a iniciações espirituais. Ao longo do show, Gaga trocou figurinos com as cores da bandeira do Brasil, interagiu com o público com tradução simultânea e entregou performances de intensa carga emocional e corporal.

No encerramento, a cruz ensanguentada estampada sobre o branco da túnica causou impacto: não apenas como um símbolo cristão, mas como parte do sincretismo que permeia muitas tradições afro-brasileiras, nas quais orixás também são associados a santos católicos. A imagem provocativa, portanto, foi lida por muitos como uma fusão entre o sagrado africano e o ocidental — tal como ocorre nos terreiros do Brasil, onde Oxumaré costuma ser sincretizado com São Bartolomeu ou com o próprio arco-íris bíblico, sinal de aliança entre céu e terra.
Em Copacabana, Gaga foi além do pop: invocou o sagrado, celebrou o corpo, a diversidade e a ancestralidade. E mostrou que, por trás das luzes e coreografias, existe uma artista que dança em equilíbrio sobre a serpente de Oxumaré — ora homem, ora mulher, sempre arco-íris.