31 de Março de 2020

doentes do coronavírus

Pavilhão em Madri usado para atender centenas de doentes do coronavírus.

Ele é um pacote microscópico de material genético envolto por uma camada de proteína com um milésimo do tamanho de um fio de cabelo humano.

No entanto, esse vírus letal, chamado Sars-CoV-2, se espalhou por quase todos os países do mundo e infectou quase 800 mil pessoas desde que foi identificado em dezembro de 2019 na China.

Vírus como este, da família dos coronavírus, podem causar doenças em animais. Sete deles, incluindo o Sars-CoV-2, saltaram para humanos de outros animais e foram responsáveis por pandemias como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers).

Mas os especialistas afirmam que nunca viram um patógeno tão traiçoeiro quanto esse novo coronavírus, incluindo até mesmo o ebola.

E o que faz com que o Sars-CoV-2 ataque as células humanas e se espalhe com tanta eficiência?

Entrada na célula

Diversos pesquisadores no mundo estão investigando quais são os mecanismos biológicos que o vírus utiliza para infectar tão facilmente as células humanas.

Alguns estudos focam as espículas na superfície do vírus, estruturas proteicas em forma de pontas que compõem uma espécie de coroa (daí o nome corona, que é coroa em latim).

Outros pesquisadores estão estudando a “porta de entrada” que o vírus utiliza para adentrar as células humanas.

O principal objetivo do vírus, depois que entra no organismo, é criar cópias de si mesmo. E para isso precisa encontrar uma forma de adentrar as células.

“Os vírus dos resfriados comuns, da Sars e da Mers, todos têm espículas, e o que determina como elas adentrarão as células é qual o receptor utilizado para isso”, explica Panagis Galiatsatos, professor de medicina pulmonar e cuidados intensivos da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Estudos têm apontado que o Sars-CoV-2 se aproveita de um receptor específico chamado ACE2 (enzima conversora da angiotensina-2).

Essa proteína aparece em diversas partes do corpo, como pulmões, coração, rins e intestino, e sua principal função é reduzir a pressão arterial.

“A ACE2 está na superfície da célula, e quando o vírus a reconhece, adere a ela e entra na célula”, afirma Sarah Gilbert, professora de imunologia da Universidade Oxford, no Reino Unido.

“Ali dentro, o vírus utiliza todo o maquinário celular como uma fábrica para fazer cópias de si mesmo e de seu material genético. Depois escapa da célula, da qual resta apenas a casca, e o vírus, com suas milhares de cópias, está pronto para começar a infectar outras células.”

Os vírus respiratórios, como o do resfriado comum, tendem a se reproduzir no nariz e na garganta, de onde podem ser facilmente espalhados por meio de tosse ou espirro.

Mas há outros vírus que só se reproduzem no trato respiratório inferior, principalmente nos pulmões, de onde são menos transmissíveis, porém mais perigosos.

Característica crucial

O Sars-CoV-2 tende a ter uma característica crucial: ele se encontra tanto no trato respiratório superior, propagando-se facilmente, quanto no inferior, produzindo uma enfermidade nos pulmões que pode ser fatal.

“O que mais nos preocupa é que esses receptores ACE2 estão presentes também nas células dos alvéolos, os delicados sacos de ar nos pulmões onde ocorrem as trocas de gases”, explica Galiatsatos, da Universidade Johns Hopkins.

Quando o vírus ataca essas células, surge um dos sintomas mais comuns da covid-19: a dificuldade de respirar e a tosse, que ocorre quando os pulmões tentam se livrar da infecção.

Falta e desenvolvimento de imunidade

Um novo vírus como este é perigoso não apenas por não termos medicamentos ou vacinas para nos proteger, mas também porque nossas defesas naturais não estão preparadas para combatê-lo.

“Como não temos uma proteção natural, todas as pessoas estão suscetíveis a serem infectadas, e esse é um dos motivos pelos quais ele tem maior propensão de se espalhar”, diz o infectologista Estevão Portela, vice-diretor de serviços clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.

Diante de uma nova ameaça, o corpo tem de partir do zero e construir as defesas necessárias. Mas, no caso de um vírus, este processo costuma ser mais demorado do que a velocidade com que este tipo de microrganismo se multiplica e infecta células.

Quando um invasor é agressivo, resistente ou está presente em maior quantidade, isso exige outro tipo de reação do organismo, uma resposta imune adquirida desenvolvida pelo corpo após entrar em contato com um patógeno.

Ela envolve a ação dos linfócitos, células especializadas capazes de combater microrganismos e de nos proteger da mesma ameaça por mais tempo.

Os linfócitos ficam armazenados em órgãos como os linfonodos e o baço, à espera de sinais de que devem entrar em ação.

Um dos principais alertas é dado pelos macrófagos, que capturam um microrganismo ou parte dele e o transporta até os linfócitos, dando início à resposta imune adquirida.

“Os macrófagos atuam como uma ponte entre as duas respostas imunes”, explica Renato Astray, pesquisador do Instituto Butantan.

Os linfócitos começam então a produzir milhões de cópias de si mesmos e reforçam o sistema imunológico ao gerar anticorpos, proteínas capazes de neutralizar um patógeno. Os anticorpos têm a capacidade de reconhecerem e se ligarem ao invasor, impedindo que ele infecte novas células e se reproduza.

Os linfócitos também marcam alvos para neutrófilos e macrófagos. “Os linfócitos são como maestros do sistema imunológico, ao fazer com que as células imunes se aglutinem em torno de uma ameaça”, diz Portela.

Ao final deste processo, a maioria dos linfócitos é destruída, mas alguns se diferenciam e permanecem em nosso corpo por vários anos, formando uma memória imunológica que tornará mais ágil o combate ao patógeno se ele nos infectar novamente.

Sintomas e infecção

Uma das principais diferenças do Sars-CoV-2 em relação a outros dois coronavírus, que causaram a Sars e a Mers, é que esses dois últimos aderiam a muitos mais receptores celulares e, por isso, se reproduziam mais rápido.

Isso fazia com que os sintomas da Sars e da Mers aparecessem muito mais rápido e, portanto, os pacientes poderiam se isolar antes de provocar tantas infecções.

No novo coronavírus, que parece mais adaptado a se espalhar, os sintomas não aparecem de imediato ou podem nem aparecer, mas o vírus pode ser transmitido mesmo assim.

“Acreditamos que uma pessoas pode começar a infectar as outras pessoas até um dia antes de surgirem os sintomas e por até sete dias depois disso”, afirma David Hymann, especialista de doenças infecciosas responsável pela estratégia da Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a epidemia de Sars.

Aqui reside o verdadeiro perigo do Sars-CoV-2, e é por isso que as autoridades ao redor do mundo colocam tanta ênfase nas medidas de distanciamento social.

O vírus só pode sobreviver se encontra um novo hospedeiro para infectar. Quando uma pessoa fica em casa durante 14 dias, elimina a possibilidade de transmitir o vírus para os outros.

“Até o momento, se isolar é a única coisa que podemos fazer. Estamos tentando encontrar uma vacina ou um remédio que funcione, mas a velocidade da ciência não é tão rápida quanto gostaríamos, e tudo isso toma muito tempo”, diz Galiatsatos, da Universidade Johns Hopkins.

“No livro A Arte da Guerra, Sun Tzu afirma que para ganhar a batalha precisamos conhecer o inimigo. Mas quando se dá conta de quão incrivelmente ardiloso é seu inimigo, isso é uma lição de humildade. E é isso que eu diria sobre esse vírus.”

María Elena Navas BBC News Mundo