Norte do Brasil concentra a pior medicina do país: falta de médicos, cursos de baixa qualidade e hospitais precários marcam a região
Amazônia brasileira enfrenta colapso silencioso na saúde pública, com escassez de profissionais, estrutura hospitalar deficiente e formação médica extremamente fragilizada.
A medicina praticada nos estados do Norte do Brasil — Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Acre, Amapá e Tocantins — é, de longe, a que enfrenta os maiores desafios no país. Relatórios de entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o IBGE apontam para uma realidade alarmante: menos médicos por habitante, cursos de medicina mal avaliados, dificuldades extremas de acesso e hospitais sucateados. O resultado é um sistema que falha em garantir o básico à população, sobretudo nas áreas indígenas, ribeirinhas e nos interiores.
DADOS E DEPOIMENTOS SOBRE A SAÚDE NO NORTE
1. Densidade médica por mil habitantes (CFM, 2023)
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Distrito Federal: 5,3
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São Paulo: 4,1
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Rio de Janeiro: 3,8
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Média nacional: 2,6
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Amapá: 1,4
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Roraima: 1,3
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Acre: 1,2
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Pará: 1,1
2. Cursos de medicina com avaliação insatisfatória (INEP/MEC, 2022)
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Norte: 32% dos cursos com notas 1 ou 2 (em uma escala de 1 a 5)
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Sudeste: 8% dos cursos abaixo da nota 3
3. Estrutura hospitalar (TCU, 2023)
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Hospitais públicos com deficiências graves no Norte: 72%
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Sudeste: 38%
Depoimentos de conselhos regionais
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Dr. Otávio Magalhães (CRM-AM): “Aqui, médicos recém-formados assumem postos de urgência sem residência, e os hospitais-escola não têm leitos suficientes para treinamento. É uma formação fragilizada que perpetua a crise.”
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Dra. Ana Paula Barros (CRM-PA): “No interior do Pará, há municípios onde o único médico é um generalista que atende há 20 anos sem suporte de especialistas. O SUS não chega de forma igualitária.”
A escassez de profissionais é uma constante. Segundo o CFM, enquanto o Distrito Federal possui cerca de 5 médicos por mil habitantes, o Amapá tem menos de 1,5. Em Roraima e no Acre, a maioria dos especialistas concentra-se nas capitais, deixando cidades do interior à mercê da sorte ou de escalas esporádicas. Nos postos de saúde, faltam clínicos gerais, pediatras e obstetras — muitas vezes substituídos por plantonistas temporários ou médicos recém-formados sem supervisão adequada.
Outro ponto crítico é a qualidade da formação médica. Nos últimos anos, houve uma explosão de novos cursos privados nos estados nortistas, especialmente no interior do Pará, Amazonas e Rondônia. No entanto, avaliações do INEP e do MEC mostram que muitos desses cursos carecem de estrutura, docentes qualificados e hospitais-escola. A pressa em formar profissionais não tem sido acompanhada pela garantia de qualidade, agravando ainda mais a crise de assistência.
A estrutura hospitalar também é precária. Em 2023, um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) indicou que mais de 70% dos hospitais públicos do Norte apresentavam problemas graves de infraestrutura, desde infiltrações e mofo até a falta de equipamentos de imagem e leitos de UTI. A situação chegou ao limite em Manaus, durante a pandemia, quando o colapso no fornecimento de oxigênio revelou ao mundo as fragilidades históricas da rede pública da região.
As dificuldades logísticas agravam o cenário. Acesso a comunidades ribeirinhas ou aldeias indígenas pode levar dias de viagem em barco ou helicóptero. Nessas áreas, muitas vezes sequer há enfermeiros fixos, quanto mais médicos. Em Roraima e no Amazonas, a presença do Exército e da Força Nacional de Saúde tem sido, por vezes, o único recurso disponível.
Recentemente, em Manaus, a crise se aprofundou com a paralisação parcial de atendimentos por parte das cooperativas médicas, que denunciam atrasos nos repasses do SUS, superlotação de unidades e falta de insumos. Embora as cooperativas não sejam o foco central da crise, sua atuação expõe a dependência de modelos alternativos ao serviço público direto e a fragilidade da gestão estadual.
Apesar dos esforços pontuais e de programas como o Mais Médicos, que ampliaram a cobertura em áreas remotas, o Norte segue como a região mais negligenciada em termos de atenção médica contínua e de qualidade. O contraste com estados do Sul e Sudeste, onde há hospitais de ponta e residências médicas estruturadas, revela um país profundamente desigual no direito à saúde.
Enquanto a retórica política fala em “universalidade” e “acesso integral”, a prática cotidiana na floresta amazônica e no cerrado do Tocantins mostra um sistema que ainda deixa milhões de brasileiros à margem do atendimento digno.
Fontes dos dados: CFM (2023), TCU (2023), INEP/MEC (2022), depoimentos colhidos em entrevistas com CRMs em 2024.
Observação: Os dados reforçam a urgência de políticas regionais específicas para reduzir as disparidades, como a fixação de médicos via incentivos fiscais e investimentos em infraestrutura educacional de qualidade e hospitalar.