Ministro Alexandre de Moraes Determina o Afastamento de Mauro Cid do Cargo de Oficial no Exército

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Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL), durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), em Brasília, nesta quinta-feira, 24. — Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

PETIÇÃO 10.405 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES REQTE.(S): SOB SIGILO ADV.(A/S): SOB SIGILO

DECISÃO Trata-se de requerimento formulado pela Defesa de MAURO CESAR BARBOSA CID (CPF nº 927.781.860-34), por meio do qual pleiteia, em síntese, a revogação da sua prisão preventiva ou, subsidiariamente, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão (fls. 4.874-4.879). Sustenta que “o requerente é primário, de antecedentes in albis, tem endereço fixo e profissão militar. E, mesmo em liberdade, poderá continuar contribuindo com a investigação sem ser monitorado e com muito menor complexidade, já que, preso, é necessário requisitá-lo ao Comando do Exército, acionar todo o aparato estatal para deslocá-lo, desencadeando uma série de especulações que lhe colocam em risco, o que também é estendido a sua família”. Afirma que “afastado todo e qualquer risco de comprometimento da investigação ou de um eventual e futuro processo, os fundamentos de sua prisão preventiva estão esgotados. Soma-se, a isso, quatro meses de reclusão e ausência de fundamento para sua manutenção.” Ao final, pede: a) a revogação da prisão preventiva de MAURO CESAR BARBOSA CID, sem qualquer restrição; b) alternativamente, na hipótese, de Vossa Excelência entender de modo diverso, o que realmente não se espera, seja revogada a prisão preventiva mediante cautelares diversas, observadas as condições do requerente; (c) sucessivamente, seja revogada a ordem que impôs ao requerente restrições de convívio entre sua esposa e seu pai, uma vez que todos já deram suas versões à autoridade policial, não subsistindo qualquer fundamento legal para sua vigência.

É o relatório. DECIDO.

PET 10405 / DF

O investigado foi preso em 3/5/2023 por decisão proferida em 28/4/2023, em virtude da necessidade da garantia da ordem pública e conveniência da investigação criminal, sendo que a prisão preventiva foi mantida por decisão de 25/6/2023. O Relatório de Análise de Polícia Judiciária Parcial RAPJ nº 2272674/2023, encaminhado a estes autos por meio do Ofício nº 2272311/2023 CCINT/CGCINT/DIP/PF (petição STF nº 54.410/2023, fls. 3.736-3.806), após a realização da operação que resultou na prisão do investigado, apontou a manutenção das razões ensejadoras da prisão preventiva pela necessidade da investigação criminal. Foram realizadas inúmeras outras diligências investigativas, sendo que, em 21/6/2023, a Polícia Federal encaminhou aos autos, por meio do ofício nº 2489476/2023 – CCINT/CGCINT/DIP/PF, os Relatórios de Análise de Polícia Judiciária – RAPJ nº 2452084/2023 e 2452171/2023, que contemplam a análise dos dados constantes nos telefones celulares apreendidos na residência dos investigados MAURO CESAR BARBOSA CID e GABRIELA SANTIAGO CID. Posteriormente, em 25/8, 28/8 e 1/9, MAURO CESAR BARBOSA CID prestou três depoimentos a Polícia Federal, necessários para esclarecer as provas obtidas anteriormente pela Polícia Federal. No atual momento procedimental, torna-se necessário analisar se os requisitos ensejadores da manutenção da prisão preventiva permanecem presentes e justificadores do cerceamento da liberdade de ir e vir. O essencial em relação às liberdades individuais, em especial a liberdade de ir e vir, não é somente sua proclamação formal nos textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de maneira prática e eficiente, a partir de uma justa e razoável compatibilização com os demais direitos fundamentais da sociedade, de maneira a permitir a efetividade da Justiça Penal. MAURICE HAURIOU ensinou a importância de compatibilização entre a Justiça Penal e o direito de liberdade, ressaltando a consagração do direito à segurança, ao salientar que, em todas as declarações de direitos e em todas as Constituições revolucionárias, figura a segurança na primeira fila dos direitos fundamentais, inclusive apontando que os publicistas ingleses colocaram em primeiro plano a preocupação com a segurança, pois, conclui o Catedrático da Faculdade de Direito de Toulouse, que, por meio do direito de segurança, se pretende garantir a liberdade individual contra o arbítrio da justiça penal, ou seja, contra as jurisdições excepcionais, contra as penas arbitrárias, contra as detenções e prisões preventivas, contra as arbitrariedades do processo criminal (Derecho Público y constitucional. 2. ed. Madri: Instituto editorial Réus, 1927. p. 135-136). Essa necessária compatibilização admite a relativização da liberdade de ir e vir em hipóteses excepcionais e razoavelmente previstas nos textos normativos, pois a consagração do Estado de Direito não admite a existência de restrições abusivas ou arbitrárias à liberdade de locomoção, como historicamente salientado pelo grande magistrado inglês COKE, em seus comentários à CARTA MAGNA, de 1642, por ordem da Câmara dos Comuns, nos estratos do Segundo Instituto, ao afirmar: que nenhum homem seja detido ou preso senão pela lei da terra, isto é, pela lei comum, lei estatutária ou costume da Inglaterra (capítulo 29). Com a consagração das ideias libertárias francesas do século XVIII, como lembrado pelo ilustre professor russo de nascimento e francês por opção, MIRKINE GUETZÉVITCH, essas limitações se tornaram exclusivamente trabalho das Câmaras legislativas, para se evitar o abuso da força estatal (As novas tendências do direito constitucional. Companhia Editora Nacional, 1933. p. 77 e ss.).

No atual momento procedimental, o encerramento de inúmeras diligências pela Polícia Federal e a oitiva do investigado, por três vezes e após ser decretada sua incomunicabilidade com os demais investigados, apontam a desnecessidade da manutenção da prisão preventiva, pois não mais se mantém presente qualquer das hipóteses excepcionais e razoavelmente previstas na legislação que admitem a relativização da liberdade de ir e vir para fins de investigação criminal.

A manutenção da prisão não se revela, portanto, adequada e proporcional, podendo ser eficazmente substituída por medidas alternativas (CPP, art. 319), conforme já afirmou esta CORTE em diversos julgados:

HC 115.786, Rel. Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma, DJe de 20/8/2013; HC 175.775/PR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 24/9/2019; HC 123.226, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, unânime, DJe de 17/11/2014; HC 130.773, Rel. Min. ROSA WEBER, 1ª Turma, DJe de 23/11/2015; HC 136.397, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, 2ª Turma, DJe de 13/2/2017.

Diante do exposto, CONCEDO A LIBERDADE PROVISÓRIA a MAURO CESAR BARBOSA CID (CPF nº 927.781.860-34), mediante a imposição cumulativa das seguintes medidas cautelares:

(i) Proibição de ausentar-se da Comarca e recolhimento domiciliar no período noturno e nos finais de semana mediante USO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA, a ser instalada pela Polícia Federal em Brasília/DF, NOS TERMOS DO INCISO IX DO ART. 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, com zona de inclusão restrita ao endereço fixo indicado na audiência de custódia; (ii) Obrigação de apresentar-se perante ao Juízo da Execução da Comarca de origem, no prazo de 48 horas e comparecimento semanal, todas as segundas-feiras;

(iii) Proibição de ausentar-se do país, com obrigação de realizar a entrega de seus passaportes no Juízo da Execução da Comarca de origem, no prazo de 05 dias;

(iv) CANCELAMENTO de todos os passaportes emitidos pela República Federativa do Brasil em nome do investigado, tornando-os sem efeito;

(v) SUSPENSÃO IMEDIATA de quaisquer documentos de porte de arma de fogo em nome do investigado, bem como de quaisquer Certificados de Registro para realizar atividades de colecionamento de armas de fogo, tiro desportivo e caça;

(vi) Proibição de utilização de redes sociais;

(vii) Proibição de comunicar-se com os demais investigados da presente PET, do Inq. 4874/DF e PETs conexas, por qualquer meio, inclusive, por intermédio de seus advogados. Estão exceptuados dessa proibição: GABRIELA SANTIAGO RIBEIRO CID (mulher do investigado), BEATRIZ RIBEIRO CID (filha do investigado) e MAURO CESAR LORENA CID (pai do investigado). DETERMINO, ainda, nos termos do artigo 319, VI do Código de Processo Penal, o AFASTAMENTO de MAURO CÉSAR BARBOSA CID do exercício das funções de seu cargo de oficial no Exército, devendo ser comunicado, imediatamente, o Comandante do Exército. O descumprimento de qualquer uma das medidas alternativas implicará na revogação e decretação da prisão, nos termos do art. 312, § 1º, do CPP. A presente decisão servirá de alvará de soltura clausulado em favor de MAURO CÉSAR BARBOSA CID (CPF Nº 927.781.860-34). Servirá também de ofício de apresentação ao Juízo da Execução da respectiva Comarca de Brasília/DF, no prazo de 48 horas. Encaminhe-se cópia desta decisão: a) ao Diretor-Geral da Polícia Federal para cumprimento dos itens (iv) e (v), INCLUSIVE PARA ADOÇÃO DE TODAS AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA OBSTAR A EMISSÃO DE QUAISQUER OUTROS PASSAPORTES EM NOME DO INVESTIGADO; b) ao GENERAL COMANDANTE DO EXÉRCITO para cumprimento do item (v) referente ao certificado de registro para atividades de colecionamento de armas de fogo, tiro desportivo e caça e do item (viii) com relação ao afastamento de suas funções no Exército. O não comparecimento semanal determinado no item (ii) desta decisão deverá ser imediatamente informado pelo Juízo da Execução da Comarca, via malote digital, nos autos desta PET 10.405. Ciência à Procuradoria-Geral da República e à Defesa, inclusive pelos meios eletrônicos. Encaminhem-se cópia desta decisão, pelo malote digital, ao Juízo da Execução da Comarca de Brasília/DF, para conhecimento e acompanhamento.

Publique-se. Brasília, 9 de setembro de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente