O voto do ministro Luiz Fux: legalidade ou cegueira institucional?

STF: prisões imediatas após condenação pelo júri
Foto: Rosinei Coutinho
Análise crítica sobre o julgamento da Petição 14.129/DF e o impacto do voto divergente no contexto da democracia brasileira
Quando garantismo vira omissão: o caso Bolsonaro e as medidas cautelares
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em julho de 2025, referendar medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, diante de indícios graves de tentativa de obstrução da Justiça por meio de articulações com autoridades estrangeiras. Entre as medidas impostas estavam tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e a proibição de uso de redes sociais.
A decisão foi tomada por maioria (4×1). O único voto divergente foi o do Ministro Luiz Fux.
Mas por que esse voto isolado merece atenção?
Porque, embora bem fundamentado em termos jurídicos formais, ele levanta um debate essencial: qual é o limite da legalidade quando a própria democracia está em risco?
O argumento do Ministro Fux
Fux baseou seu voto na ausência de “provas novas e concretas” que justificassem medidas tão restritivas.
Segundo ele, não houve demonstração atual de risco que motivasse a imposição de medidas cautelares severas, como exige o Código de Processo Penal (art. 282). O ex-presidente, argumenta o ministro, já se encontrava com passaporte retido, residência fixa e sem sinais de fuga.
Mais que isso, Fux sustentou que a liberdade de expressão é uma cláusula pétrea da Constituição Federal. Proibir o uso de redes sociais sem base sólida, afirma, pode configurar censura prévia — o que fere frontalmente os princípios democráticos.
À primeira vista, trata-se de um voto tecnicamente consistente, alinhado à doutrina garantista que protege o cidadão contra abusos do Estado.
Mas será que, neste caso, essa leitura estritamente formalista se sustenta?
Indícios novos e risco concreto: o que os autos revelam
O ponto central da divergência está na interpretação sobre a existência — ou não — de indícios novos e atuais.
Segundo a Polícia Federal, Eduardo Bolsonaro teria articulado, com apoio de Jair Bolsonaro, ações nos Estados Unidos para aplicar sanções econômicas contra o Brasil como forma de pressionar o STF e constranger o andamento da ação penal 2.668, que apura tentativa de golpe após as eleições de 2022.
Há relatos de:
  • reuniões com congressistas norte-americanos;
  • uso de redes para promover desinformação;
  • articulações diplomáticas para manter Bolsonaro com status de chefe de Estado no exterior;
  • interferência direta no ambiente internacional com objetivo de enfraquecer a autoridade do Judiciário brasileiro.
Esses elementos, todos recentes, configuram sim um novo padrão de obstrução — mais sofisticado, transnacional e ainda mais perigoso.
Fux, ao dizer que não há novidades relevantes, ignora o que há de mais grave e inédito: a tentativa de submeter o Judiciário brasileiro a pressões internacionais, o que, segundo especialistas em direito penal, pode configurar até crime contra a soberania nacional (art. 359-I do Código Penal).
Garantismo ou leniência?
A atuação do STF em momentos como esse precisa equilibrar dois deveres constitucionais: garantir direitos individuais e proteger a ordem democrática.
O voto de Fux prioriza o primeiro, mas, ao fazê-lo, ignora a ameaça concreta ao segundo.
Ao aplicar princípios como a presunção de inocência e a proporcionalidade de forma quase mecânica, o ministro termina por blindar o réu com as mesmas garantias que ele busca destruir.
É justamente aqui que o voto tropeça.
Não se trata apenas de Bolsonaro — trata-se de milhões de brasileiros
Quando se fala em “risco à democracia”, é preciso deixar claro: não estamos falando de abstrações jurídicas, mas sim de direitos concretos de milhões de pessoas.
  • O direito ao voto;
  • A confiança nas instituições;
  • A existência de eleições livres e justiça imparcial.
Quando esses pilares são ameaçados por líderes que instrumentalizam a política externa e a desinformação para intimidar o STF, não agir com firmeza é assumir o risco de ruptura institucional.
O voto de Fux, ao se apegar à legalidade formal e desconsiderar a gravidade dos fatos, fragiliza a resposta do Estado diante de uma articulação golpista inédita.
O STF pode — e deve — agir com rigor quando a democracia está sob ataque
A atuação do Judiciário deve ser proporcional à ameaça.
Ao minimizar os indícios apresentados, Fux transforma o excepcional em ordinário. Ao não reconhecer o risco presente, transmite a ideia de que só existe obstrução quando há fuga, destruição de provas ou ameaça explícita — ignorando que hoje o ataque às instituições se dá com hashtags, articulações diplomáticas e campanhas internacionais.
A jurisprudência já admite medidas cautelares com base em indícios razoáveis e concretos. E esses, neste caso, não apenas existem — são evidentes, graves e contínuos.
Considerações finais
O voto do Ministro Luiz Fux é, do ponto de vista técnico, defensável.
Mas no contexto atual, ele falha como instrumento de Justiça.
Ignora fatos novos, subestima o risco real à ordem constitucional e, em nome do garantismo, pode acabar abrindo brecha para a normalização da desestabilização democrática.
A história mostra que democracias não costumam ruir de uma vez — mas sim quando instituições hesitam diante do inaceitável.
O STF, neste caso, não hesitou. Mas o voto de Fux ficará como registro de que a defesa da legalidade, quando descolada da realidade, pode se tornar sua própria negação.