Falha ética e negligência profissional: empresa de home care é condenada por morte de paciente em ventilação mecânica

Justiça responsabiliza empresa por enviar técnica de enfermagem sem qualificação adequada, contrariando legislação profissional e compromissos éticos da categoria
A Justiça do Distrito Federal condenou a empresa Prime Home Care Assistência Médica Domiciliar LTDA a pagar indenização por danos morais e materiais à família de um adolescente de 16 anos que faleceu durante um plantão de assistência domiciliar em Brasília. A decisão da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF reconheceu a falha na prestação do serviço e apontou omissão da profissional técnica de enfermagem escalada para cuidar do paciente, que dependia integralmente de ventilação mecânica.
Segundo os autos, no dia 26 de julho de 2022, a empresa designou uma técnica de enfermagem sem experiência em ventilação mecânica para cobrir o plantão diurno. A profissional teria sido orientada a apenas “observar” o paciente, ainda que este apresentasse quadro clínico que exigia cuidados contínuos e capacidade de intervenção rápida em casos de intercorrência respiratória — o que, por si só, contraria os princípios básicos do exercício profissional da enfermagem.
O paciente era portador de uma doença neurológica rara que afetava os nervos cranianos e exigia uso permanente de traqueostomia e ventilação assistida. Após a troca de turno, a técnica que assumiu a assistência foi informada pela colega do plantão noturno sobre os cuidados específicos e os procedimentos em caso de emergência. Mesmo assim, ao perceber o deslocamento da cânula da traqueostomia — dispositivo essencial à respiração do paciente —, a profissional se ausentou do quarto para almoçar, sem acionar os familiares ou intervir.
A ausência de ação imediata, segundo o laudo pericial e imagens de câmeras, resultou na morte por asfixia. A tentativa de reanimação foi iniciada tardiamente, com a chegada da mãe do paciente e, posteriormente, do Corpo de Bombeiros.
A empresa tentou se eximir da responsabilidade alegando que a profissional era qualificada, que havia cláusula contratual exigindo a presença de cuidador familiar e que não se podia determinar o exato momento do óbito. Contudo, a decisão judicial foi categórica: a empresa responde objetivamente pelos atos de seus prepostos e pela falha na escala de profissionais inabilitados para o tipo de assistência contratada.
A técnica de enfermagem admitiu em juízo que não possuía experiência com ventilação mecânica e que essa limitação foi informada à empresa. Ainda assim, foi designada para um atendimento que exigia conhecimento técnico, preparo emocional e atuação em situações de urgência — conforme previsto na Lei nº 7.498/1986, que regulamenta o exercício da enfermagem, e no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.
De acordo com o Código de Ética, é dever do profissional de enfermagem recusar-se a assumir atividades para as quais não esteja tecnicamente habilitado, além de comunicar qualquer situação que comprometa a segurança do paciente. É também responsabilidade do empregador, público ou privado, escalar profissionais adequadamente qualificados e assegurar as condições técnicas e humanas para a prática segura da assistência.
A sentença condenou a empresa a pagar R$ 200 mil a cada um dos pais do adolescente, por danos morais, além de R$ 8.650,00 a título de danos materiais, referentes aos custos do velório e da cremação. Cabe recurso.
O que está em jogo: a vida, a ética e a responsabilidade
Casos como este expõem a urgência de reforçar os critérios de qualificação técnica no atendimento domiciliar, especialmente quando envolvem pacientes em estado crítico. Não basta apenas cumprir a escala: é preciso garantir que o profissional esteja apto, ética e legalmente, para exercer o cuidado.
A negligência — seja pela omissão da empresa, seja pela fragilidade na supervisão profissional — pode ser letal. E, como demonstrado na decisão, a falha não se limita ao erro técnico, mas se estende à violação de princípios fundamentais da profissão, como a proteção à vida, a dignidade do paciente e o dever de competência.
Processo em segredo de justiça.




