A nova lei distrital do deputado Joaquim Roriz Neto que estabelece limites para a quantidade de refeições vendidas por usuário nos restaurantes comunitários do Distrito Federal acende um importante debate sobre justiça social, gestão de recursos públicos e os limites da política assistencial.
Promulgada pela Câmara Legislativa após veto do governador Ibaneis Rocha, a norma prevê que beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal [CadÚnico] poderão adquirir até quatro refeições por turno, o que equivale, por exemplo, a quatro almoços por dia. Já os demais usuários – fora do cadastro – estarão limitados a no máximo duas refeições por turno.
À primeira vista, a medida parece sensata: busca coibir abusos, como a revenda irregular de marmitas, e impedir o esgotamento prematuro dos estoques diários. Os restaurantes comunitários, afinal, foram concebidos como equipamentos públicos de segurança alimentar, destinados prioritariamente à população em situação de vulnerabilidade.
No entanto, a proposta também suscita preocupações legítimas. Famílias numerosas, especialmente aquelas que não estão regularizadas no CadÚnico por falhas de acesso ou burocracia, podem ter sua alimentação comprometida. Em um cenário de insegurança alimentar crescente, toda limitação precisa ser cuidadosamente calibrada para não transformar o direito à alimentação em privilégio administrativo.
Outro desafio será a fiscalização. Como os restaurantes controlarão a quantidade de refeições por CPF? Estão preparados para cruzar dados em tempo real com o CadÚnico? Sem tecnologia e logística adequadas, a lei corre o risco de se tornar letra morta ou, pior, de gerar constrangimento e conflito entre funcionários e usuários.
Por fim, é preciso avaliar o simbolismo do texto. Ao tratar o acesso à comida como algo a ser quantificado e restrito, mesmo em contexto de pobreza, o Estado deve tomar cuidado para não inverter a lógica da proteção social. A eficiência fiscal não pode atropelar a dignidade humana.
Se por um lado a norma promove o uso racional dos recursos, por outro exige vigilância constante para que não se torne um instrumento de exclusão disfarçado de organização. O combate à fome é um desafio complexo demais para ser enfrentado apenas com limites. É preciso incluir, cadastrar, escutar e, sobretudo, alimentar.





