Irmãs Khachaturyan: liberdade vigiada, justiça adiada — o caso que expôs a ferida da violência doméstica e sexual

Сестры Хачатурян: Крестина, Ангелина и Мария
The Khachaturyan sisters, Krestina, Angelina, and Maria
Ivan Rocha

Mesmo após o reconhecimento judicial de que o pai era agressor e abusador, Krestina, Angelina e Maria Khachaturyan seguem sob acusação de homicídio sete anos depois do crime que dividiu a Rússia e comoveu o mundo.

Sete anos após a noite em que mataram o próprio pai para escapar de uma rotina de abusos, as irmãs Krestina, Angelina e Maria Khachaturyan continuam vivendo sob a sombra da Justiça russa. O caso, que gerou mobilizações em dezenas de países e se tornou símbolo da luta contra a violência doméstica, permanece sem desfecho definitivo.

Em abril de 2025, o Tribunal do Distrito de Butyrsky, em Moscou, reconheceu que Mikhail Khachaturyan, pai das jovens, cometeu violência sexual e física grave, além de produzir material pornográfico envolvendo as próprias filhas. A decisão representou uma vitória moral para as irmãs — mas não jurídica.
Apesar do reconhecimento da brutalidade a que foram submetidas, elas ainda respondem formalmente por homicídio, em um processo que parece não ter fim.

Desde 2018, quando o caso veio à tona, as irmãs enfrentam o sistema judicial russo em condições desiguais. O Ministério Público insiste em sustentar que as jovens teriam agido com “intenção de matar”, ignorando anos de tortura comprovada por perícias e laudos psicológicos.
O Comitê de Investigação da Rússia, órgão equivalente à Polícia Federal brasileira, concluiu a fase de instrução, mas não houve reclassificação formal do crime para legítima defesa — o que manteria a acusação viva.

Hoje, as três irmãs estão em liberdade, mas sob restrições processuais: não podem sair de Moscou sem autorização nem se comunicar livremente entre si. Enquanto isso, a opinião pública russa se divide entre o conservadorismo estatal e os movimentos feministas que veem no caso uma denúncia de um sistema que ainda culpa as vítimas.

O reconhecimento judicial da culpa do pai, em 2025, trouxe esperança de encerramento, mas também expôs a morosidade da Justiça russa diante de crimes de gênero. “O processo já tem 36 volumes e sete anos de dor”, disse a advogada Maria Davtyan, uma das principais defensoras das irmãs.

Nas ruas de Moscou, o caso virou símbolo. Cartazes com a frase “Ela não é assassina, ela sobreviveu” ainda aparecem em protestos. Para ativistas, o destino das irmãs Khachaturyan ultrapassa fronteiras — é um teste da capacidade da Rússia de reconhecer que a legítima defesa também pode ser feminina.

Enquanto aguardam a decisão final, as três jovens tentam reconstruir a vida. O que começou como um caso de violência familiar se transformou em uma batalha internacional por justiça e dignidade. E o mundo continua assistindo — em silêncio, mas atento — ao desenrolar de uma história que expôs, mais uma vez, o preço de ser mulher em um sistema que protege o agressor antes da vítima.