Mudanças recentes na legislação eleitoral não se aplicam retroativamente; entendimento mantém inelegibilidade de políticos já condenados, como o ex-governador José Roberto Arruda
Aprovada neste ano pelo Congresso Nacional, a nova redação da Lei da Ficha Limpa, incorporada à Lei Complementar nº 219/2025, não tem efeitos retroativos e, portanto, não beneficia políticos já condenados, como o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL). A interpretação é compartilhada por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos pelo Metrópoles, que reforçam o entendimento já consolidado pela Suprema Corte em decisões anteriores.
Segundo o ex-ministro do TSE e professor da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Horbach, o STF já firmou posicionamento no sentido de que a aplicação retroativa de normas mais brandas não se estende, automaticamente, a casos já julgados em matéria de direito administrativo e eleitoral. Ele cita como precedente o julgamento do Tema 1.199, que tratou da nova Lei de Improbidade Administrativa.
— O STF deixou claro que, nesses casos, deve prevalecer o princípio da moralidade administrativa sobre o da retroatividade benéfica — afirmou Horbach. — A ideia de que toda norma mais favorável ao réu deve retroagir não é pacífica fora do campo penal.
O ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello compartilha da mesma análise. Para ele, as alterações promovidas na legislação não têm natureza penal — o que inviabiliza a aplicação retroativa.
— A nova lei altera dispositivos da Lei Complementar nº 64/1990, que é de natureza eleitoral. E, como regra, leis eleitorais não retroagem. A retroatividade só é admitida no campo penal, quando a nova norma beneficia o réu — disse o ex-ministro.
Inelegibilidade até 2032
No caso de José Roberto Arruda, as condenações por improbidade administrativa ainda resultam em inelegibilidade até, pelo menos, 2032. Isso porque, pela regra vigente até a publicação da nova lei, cada condenação impõe um período de oito anos de inelegibilidade, a partir do trânsito em julgado da sentença. A última condenação do ex-governador foi proferida em novembro de 2024.
Arruda tenta reverter essa situação com base na nova regra, que unifica o prazo de inelegibilidade em até 12 anos quando as condenações decorrerem de um mesmo conjunto de fatos. A defesa argumenta que todas as ações contra o ex-governador têm origem na Operação Caixa de Pandora e, portanto, deveriam ser tratadas como um único bloco.
No entanto, juristas apontam que cada ação tem elementos distintos, com contratos e circunstâncias específicas, o que inviabiliza a unificação do prazo. Além disso, parte dos processos ainda aguarda julgamento definitivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se houver trânsito em julgado de alguma condenação antes das eleições de 2026, o novo marco temporal de inelegibilidade começará a contar dali, afastando qualquer possibilidade de candidatura no pleito.
Veto presidencial impediu retroatividade expressa
Outro elemento que consolida o entendimento sobre a não aplicação retroativa da nova lei é o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos trechos que previam, de forma explícita, a aplicação das novas regras a processos em andamento ou já julgados. Ao suprimir esses dispositivos, o governo federal reafirmou a regra geral de vigência das leis: apenas para o futuro.
Constitucionalidade da nova lei é questionada no STF
A controvérsia jurídica sobre as recentes alterações na Lei da Ficha Limpa já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Tramita na Corte uma ação que questiona a constitucionalidade da Lei Complementar nº 219/2025. A relatoria está a cargo da ministra Cármen Lúcia — a mesma que, em 2022, relatou no Tribunal Superior Eleitoral o processo que culminou na impugnação da candidatura de Arruda à Câmara dos Deputados.
Nesta segunda-feira (7/10), a ministra determinou que o presidente da República e o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (União-AP), prestem esclarecimentos no prazo de cinco dias sobre as mudanças aprovadas na legislação.
A ação foi ajuizada pela Rede Sustentabilidade, que argumenta que o Senado extrapolou suas prerrogativas ao modificar substancialmente o conteúdo do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, sem devolvê-lo para nova deliberação. Segundo a legenda, essa manobra desrespeita o processo legislativo previsto na Constituição.
— As mudanças não foram meramente redacionais, mas alteraram critérios materiais de inelegibilidade e prazos de contagem. Isso deveria ter sido submetido novamente à Câmara. A omissão compromete a legitimidade do processo legislativo — sustenta a ação.
Próximos capítulos
Enquanto o STF não se pronuncia sobre a validade da nova lei e sua aplicação, o cenário jurídico permanece desfavorável a Arruda. Mesmo com a aprovação de regras mais brandas, o entendimento majoritário é de que elas não se aplicam a casos já consolidados — o que mantém o ex-governador fora da disputa eleitoral de 2026.



