Lula e o “Super Sistema” da Receita: avanço tecnológico ou máquina arrecadatória?

Ministro da Fazenda pede que Câmara aprove projeto sobre devedor contumaz
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na Sanção da Reforma Tributária. Foto: S&DS/Reprodução
Ivan Rocha

O governo Lula aposta em um – [(“super sistema”)] – digital da Receita Federal para operacionalizar a cobrança dos novos impostos da Reforma Tributária. Vende-se a ideia como um salto tecnológico, comparando a plataforma ao PIX — só que 150 vezes maior, mais complexo e com impacto direto no bolso de todos os brasileiros

É fato: do ponto de vista técnico, trata-se de um projeto ousado. Processar 70 bilhões de notas fiscais por ano, calcular créditos tributários em tempo real e dividir automaticamente os valores de impostos entre União, estados e municípios são avanços inquestionáveis em termos de eficiência. A promessa é reduzir drasticamente a sonegação, um câncer histórico que corrói a arrecadação pública

Mas por trás do discurso da modernização, existe uma leitura política e econômica que não pode ser ignorada. Ao criar um sistema em que os impostos são debitados antes mesmo de chegar às empresas, Lula constrói uma máquina arrecadatória sem precedentes. O contribuinte deixa de ter margem de manobra: não haverá mais atraso no recolhimento, parcelamentos improvisados ou “jeitinhos” contábeis. O fisco será onipresente, automático e inescapável.

Receita Federal irá monitorar dados de cartão de crédito e Pix, menos criptomoedas
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo argumenta que isso trará justiça fiscal, já que quem hoje paga em dia se sente lesado diante da concorrência desleal dos que sonegam. É verdade. Porém, a outra face da moeda é que o Estado brasileiro, um dos mais pesados e ineficientes do mundo, terá ainda mais poder sobre a economia, sem necessariamente devolver em serviços públicos de qualidade o que arrecada com tanto rigor.

Além disso, há um impacto direto nas empresas, especialmente nas pequenas e médias. O fluxo de caixa será afetado: os tributos não passarão mais pelo caixa da companhia, o que exigirá investimentos em gestão e tecnologia. Em outras palavras, o empresário terá que se adaptar a um sistema “imposto de cima para baixo”, sem ter sido ouvido sobre os custos de implementação.

É legítimo combater a sonegação e dar transparência ao sistema tributário. Mas não se pode romantizar o “super sistema” como se fosse apenas uma solução tecnológica neutra. Trata-se, antes de tudo, de uma decisão política: centralizar, automatizar e ampliar o controle estatal sobre a economia.

Lula quer entrar para a história como o presidente que conseguiu, enfim, domesticar a máquina tributária e cortar as brechas da evasão fiscal. Mas, sem uma contrapartida clara de desoneração da produção, simplificação real para o cidadão e uso responsável dos novos recursos arrecadados, o risco é o sistema se tornar apenas mais uma engrenagem de um Estado voraz, que cobra muito e devolve pouco.

Em resumo, o “super sistema” pode ser um marco tecnológico global, mas também pode cristalizar uma velha realidade brasileira: um governo cada vez mais eficiente para arrecadar, mas ainda ineficiente para governar.