Mortes silenciosas? Profissionais relatam suspeitas do uso de KCl para abreviar vidas em hospitais brasileiros

Mortes silenciosas? Profissionais relatam suspeitas do uso de KCl para abreviar vidas em hospitais brasileiros

Enfermeiros apontam possível uso indevido de cloreto de potássio (KCl) em pacientes terminais e levantam debate sobre condutas éticas, silêncio institucional e limites do cuidado paliativo

O que pode parecer uma morte natural, tranquila, esperada no leito de um hospital, pode, na verdade, carregar uma decisão velada e irreversível. Um ato sem protocolo, sem consentimento, sem nome: a injeção letal de cloreto de potássio (KCl) para o abreviamento da vida de pacientes em estado terminal.

O Portal S&DS ouviu, sob condição de anonimato, profissionais de enfermagem de diferentes regiões do Brasil que relataram suspeitas e experiências que colocam em xeque os limites entre o cuidado, o alívio do sofrimento e a antecipação da morte.

Silêncio que pesa

Mortes estranhas acontecem com pacientes sem possibilidade de diagnóstico, mas não podemos afirmar sobre uma grande dúvida que não só permeia minha unidade”, disse E.L.S., enfermeira atuante em um hospital de Ribeirão Preto (SP). Ela relata que já presenciou situações em que pacientes faleceram subitamente após receberem medicações, sem justificativa clínica evidente, levantando suspeitas sobre o uso de KCl. Apesar disso, optou por não denunciar por receio de represálias e por medo de desestabilizar a equipe.

O cloreto de potássio é amplamente utilizado na prática hospitalar, mas seu uso indevido, sobretudo em grandes doses por via intravenosa direta, pode causar parada cardíaca em poucos minutos. Seu manuseio exige cuidado rigoroso, prescrição clara e diluição controlada.

Vestígios no lixo hospitalar

Em um hospital de Belo Horizonte (MG), o enfermeiro A.A.S relata ter encontrado frascos de KCl descartados em lixeiras de quartos de pacientes que não faziam uso prescrito da substância. Ao questionar os colegas de plantão, nenhum soube informar o motivo da presença do medicamento ali.

“O serviço de saúde é extremamente delicado. Não conhecemos verdadeiramente as mentes que trabalham conosco. Somos colegas de profissão atuando sob estresse, em condições ruins, com sobrecarga de trabalho, dois empregos, plantões exaustivos. Causar um desconforto dentro da equipe sem provas é penalizar os já penalizados“, afirmou.

Potássio, não sal de cozinha

É importante esclarecer que o composto apontado nos relatos dos profissionais não é o cloreto de sódio (NaCl) — o sal comum usado em soro fisiológico hospitalar —, mas sim o cloreto de potássio (KCl), um eletrólito utilizado para corrigir níveis baixos de potássio no sangue (hipocalemia).

O KCl é seguro quando administrado corretamente, diluído e com controle rigoroso de velocidade, mas torna-se altamente letal se injetado rapidamente e em alta concentração por via intravenosa direta. Essa ação pode provocar parada cardíaca fulminante, motivo pelo qual a substância é, inclusive, utilizada em protocolos de injeção letal em países que aplicam a pena de morte.

Tabu dentro dos hospitais

A suspeita do uso indevido de KCl como forma de eutanásia não consensual – e ilegal no Brasil – paira sobre as unidades hospitalares como um tabu protegido por omissões, falta de fiscalização e medo institucional. Os relatos apontam não para um crime organizado, mas para ações isoladas, não faladas, não discutidas e protegidas pelo silêncio profissional.

Diagnóstico difícil, quase impossível

Do ponto de vista forense, a identificação da causa da morte por KCl é extremamente difícil, especialmente se não há suspeita prévia e coleta imediata de exames laboratoriais específicos. O potássio é um eletrólito natural do corpo humano, cuja concentração se altera naturalmente após o óbito, dificultando qualquer confirmação posterior.

Cuidado paliativo ou eutanásia disfarçada?

Em meio a dilemas éticos e à escassez de cuidados paliativos no Brasil, a linha entre aliviar a dor e antecipar a morte pode ser tênue – e perigosa.

A legislação brasileira proíbe a eutanásia, mas permite o uso de sedação paliativa para alívio do sofrimento, desde que respeitados critérios éticos, consentimento informado e respaldo médico e institucional.

Reflexão urgente

Os relatos obtidos pelo Portal S&DS não são acusações, mas alertas. Eles escancaram uma realidade silenciosa que carece de debate, regulação, formação ética e estrutura para cuidado digno até o fim da vida.

Quantas mortes hospitalares são realmente naturais? Quantas poderiam ser evitadas? E quem vigia os limites entre o cuidar e o matar?

A resposta exige não apenas protocolos, mas coragem.