04 de Fevereiro 2020

Celia Blanco

Homens vejam como o aliado perfeito e não como seu concorrente, afinal de contas, mulheres não se apaixonam por um aparelho.

No princípio, sugar era um verbo. “Fazer (líquido) entrar na boca por meio de movimentos dos lábios e da língua, que formam um vácuo na cavidade bucal”, diz o dicionário Houaiss.

Não é o mesmo que lamber. Não é tão doce como sorver. Não faz tantas cócegas como soprar. Sugar implica algo a mais. Nos últimos tempos, basta pronunciar esse verbo para provocar uma reação imediata no respeitável público. As mulheres esboçam um sorriso; os homens ficam em alerta. Faça o teste, por favor. Mencione o sugador de clitóris ou Satisfyer em sua próxima reunião, e deleite-se.

O artefato não lembra em nada uma boca humana. Não suga líquido algum. Sua magia radica nas vibrações em que envolve a usuária. E, neste caso, o que envolve é um beliscão que penetra em nossas carnes. Um pedaço de carne desenhado apenas para que gozemos. São 8.000 terminações nervosas condensadas em 14 centímetros, dos quais mal vemos a pontinha. O dobro de terminações da glande masculina, com toda a importância que damos a esta última. As vibrações que o aparelho transmite são tão aceleradas, potentes e esmagadoras que ninguém, nem exercitando muito, poderia conseguir a mesma sensação com seus lábios e a língua. Você simplesmente derrete.

Deixamos que as mais jovens se acostumassem com a tecnologia e, nessa, começaram a ostentar sua sororidade: em vez de se calarem, como fizemos outras, contaram como estavam se divertindo. Os homens mexem no próprio sexo desde que nascem, mas as meninas nunca foram educadas para que soubessem o tremendo tesouro que têm entre as pernas. O clitóris não aparece nos livros educativos: ninguém fala do nosso prazer, então deixamos sua descoberta à improvisação. Até que chegou o Satisfyer, ou suas demais versões comerciais. Os detalhes sobre seu uso e desfrute animam qualquer reunião. É tema de conversas em todas as idades e contextos sociais. Não se via nada parecido desde que fomos apresentados ao iPhone.

As vibrações do aparelho são tão aceleradas, potentes e esmagadoras que ninguém, nem se exercitando muito, poderia conseguir a mesma sensação com seus lábios e a língua

Era questão de tempo até que a geração mais ligada na tecnologia descobrisse um aparelhinho com o qual obter o prazer sozinha. A espécie melhora, recorde. Agradeçamos que em vez de manter o segredo tenham contado umas às outras, mesmo que fosse em busca de curtidas. Bastou que o transformassem em trending topic para até o telejornal falasse a respeito.

Assim, 2019 foi o ano que destruiu todas as conclusões prévias sobre a masturbação feminina. Ao menos é o que se deduz das vendas de estimuladores de clitóris. O recorde absoluto de vendas cabe à Espanha, onde o Satisfyer foi um dos três aparelhos tecnológicos mais vendidos na Amazon durante a última temporada natalina: o da marca sueca Lelo diz ter registrado um aumento de 440% nas suas vendas nos últimos meses.

Imagino que o transformamos no amante perfeito porque, em menos de um minuto e meio, literalmente, lhe arranca um orgasmo. Que cada uma calibre, se for necessário, um clímax tão imediato, mas passamos tanto tempo acreditando que os orgasmos são coisa deles que, assim que aprendemos a tê-los, paramos de fingi-los.

O que não se entende é que haja homens que possam se ofender se o presente cai nas mãos de suas esposas ou namoradas. Cavalheiros que veem periclitar seu poderio porque sua senhora, finalmente, dorme tão satisfeita quanto eles. Não conheço nenhuma mulher que se ofenderia se aparecesse um masturbador capaz de conseguir o que qualquer uma de nós leva no mínimo 15 minutos. Mas bem que tentaria incluí-lo em seu repertório de brinquedos amorosos, e até o levaria na bolsa —por via das dúvidas—.

Quem dera mais homens o vejam como o que é: um aliado perfeito, e mais ainda para esses 20% de espanhóis que padecem de disfunção erétil. A tecnologia está aí para facilitar a nossa vida; afinal de contas, não me vou apaixonar por um aparelho. Vejamos se no próximo Natal damos sorte e o tema de conversa será quantas vezes convencemos nosso par a vir para a cama… com o bichinho!