Alunos da Escola Secundária Washington-Lee seguram cartazes com fotos de amigos vítimas de tiros

 

Publicado em 18/06/2018 – 09:25  Por Raquel Arraes – cientista política –  Brasília

 

Por Raquel Arraes – cientista política

Os modelos de Estado, governo, política, filosofia de vida e etc, existem para que se estabeleçam padrões categorizáveis de comportamento, e para permitir que essas categorias de comportamento sejam definidas, criticadas, replicadas, refutadas, hierarquizadas, alteradas total ou parcialmente e transplantadas para diferentes sociedades.

O problema da hierarquização de modelos é que surge a idéia de que alguns modelos são melhores que outros independente do meio em que se desenvolveram ou do tempo que levaram para se aperfeiçoar, com isso passa-se a replicar tais modelos e a transpor para realidades diferentes e de forma descolada do seu contexto original. Isso é bem fácil de se observar no contexto brasileiro no que se refere ao modelo norte americano de economia, política, justiça e, no ponto que nos interessa discutir agora, quanto ao desejo de alguns grupos sobre uso de armas de fogo pela população.

Temos no Brasil a defesa da idéia de que a população estaria mais apta a cumprir com sua autodefesa caso fosse liberado aqui, como nos Estados Unidos, o uso de armas de fogo. Esse argumento se baseia na tese de que os bandidos estão armados e livres enquanto as pessoas de bem estão desarmadas e cada vez mais presas dentro das suas próprias casas e ainda assim estão à mercê da violência armada e por isso o cidadão deveria se armar para ter em suas mãos a possibilidade de autodefesa. Infelizmente, embora a assertiva inicial seja verdadeira, a conclusão resultante não está correta. As sociedades brasileira e norte americana são muito distintas em vários aspectos e a primeira está muito menos preparada para a posse e uso indiscriminado de armas que a outra, mesmo que na outra, a americana, esse mesmo uso seja responsável pelas infelizes catástrofes de atiradores em escolas.

Com isso, quero afirmar que a transferência do modelo americano de liberalização das armas para o contexto brasileiro não apenas seria um erro, seria catastrófico. Resultaria, provavelmente em um aumento considerável de crimes por motivo fútil, chacinas como a que aconteceu em Realengo, que tanto chocou o país, além do risco que uma arma oferece para o próprio portador despreparado para utilizá-la. A palavra aqui é treinamento adequado, não se pode proceder à liberação das armas de fogo simplesmente porque “nos EUA é permitido, e lá é um país mais desenvolvido que o Brasil”. A simples transposição desse modelo, dissociada do seu contexto, não faz, simplesmente, o menor sentido. Não temos treinamento, não temos maturidade e não temos educação básica de qualidade e não temos uma cultura que saiba lidar com armas no sentido da autodefesa.

Não acredito que o brasileiro nunca possa ter armas de fogo, pelo contrário, acredito que com educação, treinamento e preparo adequados o uso de armas pela população poderia ser permitido embora, em um Brasil ideal, melhor seria que ele fosse desnecessário. De qualquer forma, idealmente falando creio que antes de se preocupar em armar a população se deveria garantir educação de qualidade e infraestrutura para que a violência armada não fosse necessária.